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"Os 3D das 'startups'" por Professor Doutor Carlos Martins

Artigo de Opinião

Professor Carlos Martins fala-nos sobre "Os 3D das 'startups'", no seu artigo de opinião publicado no semanário Vida Económica.

"BIENVENUTO Oliviero Toscani... desculpem lá este despropósito, mas já explico.

A importância das startups para Portugal, decorre de dois factores inexoráveis do nosso tempo. Em primeiro lugar, o fim do emprego para a vida para a maioria dos cidadãos. Esta mudança decorre das alterações ocorridas a partir da década de 80 fruto do desenvolvimento tecnológico, e que colocará em causa milhões de empregos e variadas profissões; em segundo lugar, é a importância destas startups como geradoras de riqueza, logo como forma para o incremento do PIB português. Somos nós, a fazer algo por nós. Neste novo mundo empresarial bipolar, o domínio das grandes corporações e das pequenas unidades será porventura o formato dominante no futuro. É nesta última extremidade, que este movimento se encaixa. As startups não são versões em ponto pequeno das corporações convencionais.

As dores. Apesar do otimismo reinante nos últimos anos, a verdade é que o número de empresas constituídas rondou uma média anual de cerca de 33 mil (2007-2016), enquanto a média de dissoluções e insolvências rondou no mesmo espaço temporal uma média anual de 40 mil empresas. Ou seja, o saldo é negativo. A estes factos, acrescenta-se, que em média, somente cerca de 53% dos novos projetos ultrapassam o terceiro ano, e só 42% chegam ao quinto ano. Estes são os marcadores denunciadores dum conjunto de causas, que originam esta elevada taxa de mortalidade. As causas para tal podem ser, ou técnicas, ou de gestão. As competências técnicas são na maioria dos casos uma pequena parte do problema, pois são estas que normalmente desencadeiam e dão impulso ao início dos projetos (um engenheiro, um médico, um informático...) e estes dominam regularmente as áreas centrais do negócio. Contudo, quando estas competências exigem complementaridade, o networking é fundamental. Coisa para a qual a maioria dos empreendedores já não estão tão vocacionados. O "segredo continua a ser a alma do negócio".
Como afirma J. Soifer o "recurso mais importante não é o financeiro, mas a rede de contactos; não o projecto mas o que já se fez sem euros". Na segunda e principal causa (gestão), podem ser identificados variados outros fatores: falta de conhecimento do mercado (nichos) e da concorrência, indefinição no conceito de negócio (visão periférica) e na proposta de valor, receitas insuficientes, capacidades de liderança e gestão de equipas, resiliência, incapacidade de trabalhar com números, e falta de dinheiro (the last because, is the least). Nestas capacidades quero destacar o défice gigantesco de capacidades organizacionais adaptativas, visto serem estas as fundamentais para a gestão, num contexto de incerteza competitiva: habilidade de ler e interpretar sinais de mudança; capacidade para efectuar experimentações frequentes em termos de: produtos/serviços, processos ou modelos de negócio; e as capacidades de gerir múltiplos sistemas (redes de parceiros). Por estas razões, o trajeto dos empreendedores está assim manchado por um imenso desperdício de produtos e serviços inapropriados, que ninguém quer, e de muitas desgraças e sonhos desfeitos.

Os desejos. A maioria dos novos empreendedores depositam enormes esperanças iniciais, numa "ideia", a qual no sentido dos próprios promotores tem "sempre" interesse e enorme potencial de desenvolvimento. Estes desejos são igualmente partilhados, quer os promotores de negócios sejam de cariz tecnológico global, ou negócios de âmbito local. Este talento de desenvolvimento de novos projetos, por portugueses, está traduzido pela importância que o número de empresas jovens e startups já detinham no universo empresarial em 2015 (a segunda posição). Por sua vez, as startups estão a garantir a renovação empresarial, em especial nas telecomunicações, imobiliário, alojamento e restauração, serviços e, na agricultura. Acresce ainda que são as startups e as empresas jovens, que garantiram cerca de 46% dos novos postos de trabalho entre 2007-2014. Constatou-se ainda que nesse período, o número médio de empregados destes projetos, duplicou ao oitavo ano, enquanto o volume de negócio foi incrementado mais de cinco vezes nesse mesmo período. O caminho foi prometedor, e porventura terá de continuar a ser assim.

Os desafios. Em Portugal existem 121 redes nacionais de incubadoras (que não sejam os novos pavilhões gimnodesportivos das autarquias), integrando mais de 2300 startups. O Startup Voucher apoiou 170 na região Norte, 116 na região Centro, e 94 na Lisboa e Vale do Tejo. Por sua vez, o programa Startup Incubação apoiou 93 projetos. Neste ecossistema integram-se atualmente: projetos como o Apreender 3.0 que decorre à vários anos, os muitos espaços promotores de negócios (Coworking), variadas instituições (Fábrica de Startups, Startup Lisboa, Beta-i) e associações criadas pelo país, os gabinetes de apoio ao empreendedorismo promovidas pelas Câmaras Municipais (ScaleUp Porto, Made In), revistas e publicações, as Universidades (Healthcare City) e Politécnicos, todos contribuíram e estimularam este desenvolvimento. A chegada da Web Summit, a Social Innovation Lisbon Conference, o incremento do Capital de Risco, dos Business Angels (Caixa Capital, Portugal Ventures), o empreendedorismo corporativo que atraiu desde a Walmart, até à EDP, Amorim, Sonae IM, Montepio, etc..

Mas... a gestão duma startup, não é a mesma coisa que a gestão duma empresa convencional estabelecida. E deve ser aqui, que deveremos concentrar uma boa parte do esforço para resolver a elevada mortalidade destes projetos. Existem alguns problemas claramente identificados que decorrem da utilização de práticas da gestão convencional, e que não se ajustam à gestão duma startup: os planos detalhados e as previsões precisas, não são o mais adequado para ambientes instáveis; a conceção duma estratégia sólida tem que ser substituída por regras simples; e os estudos de mercado podem não ser ferramentas úteis, pois as startups podem não saber quem são os seus clientes, e nem o que deve ser verdadeiramente o seu produto/serviço. Outro mito decorre de muitos empreendedores entenderem que a gestão tradicional é o problema, e que o caos é a resposta. E, que a gestão é algo de chato e monótono, enquanto as startups são algo de dinâmico e excitante. Daí pensarem que a gestão é desnecessária. Uma startup é uma instituição humana vocacionada para desenvolver produtos/serviços sob condições de mediana ou elevada incerteza. Logo, esta constatação exige que os princípios orientadores destas entidades sejam então também diferentes. Primeiro os empreendedores estão em todo o lado; em segundo o empreendedorismo é gestão, só que esta tem de ser adaptada a ambientes de incerteza; terceiro, a aprendizagem como forma de adaptabilidade faz-se através de experiências frequentes. O fracasso e o erro fazem parte desta equação, e desta cultura. Quarta questão, esta gestão requer que a criação e desenvolvimento de produtos seja acompanhada pela opinião dos clientes, de modo a que a aprendizagem seja um elemento corrector para os seus produtos/serviços; finalmente, a contabilização da inovação obriga a definir metas e prioridades, para assim se medir o progresso. Daí que o novo paradigma orientador das startups deve assegurar que a sua gestão respeite e siga 3 vetores: 1º- uma visão orientadora, que evidencie a importância da aprendizagem; 2º - dirigir através dum ciclo obrigatório: construir produtos (protótipos) - incorporar o feedback dos clientes - criar marcos de aprendizagem para medir o progresso; 3º -acelerar, sem efectuar investimentos massivos, mantendo-se ágil, veloz e com capacidade de inovação. Este será o sangue de qualquer startup. A adaptação (tentativa e erro) e o fracasso andam de mãos dadas - "fail small, and suceed big". Agora, voltemos a O. Toscani, o irreverente e brilhante fotografo da Benetton que nos alegrou nos tempos áureos da marca, e que agora regressa. Neste, entretanto, escreveu um livro "Oliviero Toscani: More than 50 years of Magnificent Failures", e neste regresso disse que a "Benetton está na escola primária, temos de começar do início"! Que renasça a Fábrica, espaço que recebia estudantes de diferentes domínios criativos, gerando talento e diferenciação. Viva a criação. Também a Benetton quer recomeçar. Quer renascer.


PS. "Bienvenuto", Luciano Benetton. Este homem de 75 anos regressa de novo ao comando da Benetton. É seguramente um "empreendedor senior" especial."

- in Semanário Vida Económica, 15 de dezembro de 2017