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"O financiamento das indústrias culturais" por Professor Doutor Jorge Lopes

Artigo de Opinião publicado no semanário Vida Económica

Nos últimos artigos publicados na Vida Económica sobre a temática da gestão de marketing cultural, tive oportunidade de abordar dois tópicos fundamentais relacionados com a atividade dos Gestores Culturais: a identificação dos problemas e desafios mais relevantes que estes enfrentam no contexto do planeamento e operacionalização dos seus programas de trabalho, e a definição das estratégias e ações mais adequadas para a resolução dos referidos problemas.

Neste âmbito, o financiamento das instituições artísticas e culturais tem sido sucessivamente identificado como o problema central que afeta de modo decisivo as respetivas atividades, já que, na grande maioria dos casos, se trata de uma questão de pura sobrevivência dessas próprias instituições nos mercados culturais . Apesar das ligeiras melhorias verificadas nos indicadores da nossa economia, o impacto negativo da crise ainda se faz sentir com particular relevância nesta área específica, com consequências nefastas que, muitas vezes, conduzem ao desaparecimento de indústrias culturais que já não conseguem cumprir as funções para as quais foram criadas, enquanto polos de criatividade, produção e divulgação da cultura. Um dos primeiros sinais de alarme ocorreu em 2013, quando o governo português de então propôs a extinção de diversas Fundações que mantinham uma ligação muito próxima com várias instituições culturais, uma decisão que teve um impacto imediato e, em certos casos, dramático, nas condições de funcionamento dessas entidades. Algumas dessas Fundações, ao longo de períodos de tempo consideráveis, proporcionaram a inúmeras empresas culturais um conjunto significativo de apoios, desde a fase criativa que é característica da produção artística, passando pelo suporte, promoção e divulgação do trabalho desenvolvido nessas instituições. Os cortes orçamentais que decorreram dessa decisão implicaram a reconfiguração dos formatos e modelos de financiamento que tinham sido utilizados até ao momento.

Neste contexto, os eventos culturais serão certamente atingidos pelas repercussões deste tipo de cenários económico-sociais e das correspondentes decisões políticas. Num texto publicado anteriormente sobre estas matérias, foi referido o caso do Festival de Cinema Fantasporto, um dos eventos culturais mais significativos que decorre anualmente na cidade. É sintomático que, numa das edições mais recentes deste evento, os organizadores se tenham referido de forma aberta e descomplexada às enormes dificuldades de financiamento que a organização do festival enfrenta desde a primeira edição, e que se tornaram particularmente graves nos últimos anos. O texto concebido para o efeito, "Venham daí os amigos - Fantasporto conta com os amigos para garantir a sustentabilidade", constituiu um autêntico programa de intenções relativamente à urgência de solicitar apoios financeiros para além dos que já estavam assegurados do ponto de vista institucional. É de sublinhar o modo franco e honesto como os organizadores refletiram sobre esta questão bastante delicada, num esforço louvável de partilha e de comunhão entre os espectadores e amigos do festival. A mensagem não poderia ser mais clara e inequívoca: as restrições financeiras que se vão disseminando pelas diversas áreas da sociedade, que têm origem nos constrangimentos causados pela escassez de recursos e que passam também pela forte retração sentida no tecido empresarial português, foram fatores que acentuaram de forma crescente os obstáculos que os gestores culturais têm enfrentado no contexto das suas funções.

Com efeito, até há bem pouco tempo as empresas portuguesas foram determinantes na sustentabilidade das diversas manifestações artísticas e culturais, assegurando o suporte financeiro a inúmeras instituições, organismos e outras entidades. Recorrendo a diversos modelos diferenciados de financiamento, consubstanciados através de doações, ações de mecenato ou patrocínio, entre outros, as empresas assumiram-se como pilar essencial das artes e da cultura, atuando em múltiplas plataformas de criação, desenvolvimento e promoção: apoio a jovens criadores e artistas, recuperação e restauro do património histórico através do mecenato, patrocínio de eventos em diversas áreas de expressão artística, na compra de obras de arte de referência ou na constituição de coleções para os acervos de museus e galerias nacionais, enfim, um conjunto multifacetado de intervenções que marcaram positivamente o mapa cultural das décadas de 80 e 90 do século passado.

Hoje em dia a situação mudou radicalmente. Como refere Ana Reis, mesmo em países de economia estável, a retração do orçamento público no campo cultural "provocou uma geada que lhe deixou sulcos profundos". Apesar do apoio financeiro e logístico do Estado e de várias instituições, organismos e empresas, um evento tão significativo para a cidade como o Fantasporto precisa de financiamentos complementares para assegurar a sua sobrevivência, implicando um patamar de exigência e de rigor que obriga a soluções mais criativas. O apelo lançado aos denominados "amigos do festival" no sentido de estes contribuírem para a sustentabilidade imediata e futura do evento aponta precisamente para a necessidade de se explorarem caminhos alternativos nas metodologias de gestão dos eventos culturais.

Um elemento que terá necessariamente de ser considerado tem a ver com a nefasta "lógica do subsídio" que por vezes se instala nos meios artísticos e culturais, remetendo toda a responsabilidade do processo para os circuitos de apoio e financiamento, e levando a que algumas dessas indústrias se esqueçam do seu papel central e verdadeiramente insubstituível na criação e divulgação da cultura, independentemente das condições económico financeiras em causa. Tal como refere Chapman, o mundo da cultura tem de assumir a sua responsabilidade na resolução deste problema, disponibilizando-se para reconfigurar os modelos de relacionamento e de partilha com as empresas e com as marcas, com o objetivo de criar e consolidar um alinhamento estratégico que será benéfico para todos os intervenientes no processo.